Celebrando um Natal Reformado

A primeira pessoa que eu ouvi na vida dizendo que cristãos não devem comemorar o Natal foi uma amiga neo-pentecostal. Eu fiquei bastante surpreso, primeiro, porque o Natal sempre foi minha época favorita do ano e, segundo, porque eu nunca tinha ouvido ninguém dizer isso antes. Como a igreja de minha amiga tinha o costumo de comemorar festas judaicas do Antigo Testamento e exaltar tudo que fosse relacionado a cultura judaica, eu entendi que a rejeição do Natal fazia parte da rejeição de tudo que não soava judaico. 
Os anos se passaram, eu acabei me tornando reformado e, depois de um tempo, acabei vendo uma crítica parecida entre presbiterianos e outros reformados. 
Alguns que eu conheci chegaram a me dizer que o Natal é contrário a nossa fé reformada e que comemorá-lo, além de ser anti-bíblico, é anti-reformado. O propósito deste artigo não é demonstrar se a Bíblia autoriza a comemoração do Natal ou não. Faremos isso em outra ocasião. O objetivo deste artigo é refutar esta a ideia de que a celebração do Natal seja historicamente contrária a fé reformada. Isso não significa que isto sempre foi defendido por todos reformados. A família reformada é uma vertente específica do Cristianismo que contem diversas variações internas. Este é o caso da comemoração do Natal.
A SEGUNDA CONFISSÃO HELVÉTICA
A Segunda Confissão Helvética foi um importantíssimo documento escrito pelo reformador protestante suíço Johann Heinrich Bullinger. Se tornou pastor da igreja de Zurique na Suíça em 1533 e foi um dos mais importantes teólogos da Reforma Protestante. Segundo o historiador presbiteriano Alderi Souza de Matos:
“Com vários colegas de diferentes cidades, escreveu a Primeira Confissão Helvética (1536), que se tornou a primeira declaração da fé reformada com autoridade nacional. A Segunda Confissão Helvética mantém a mesma estrutura, mas foi inteiramente redigida por Bullinger. Foi composta inicialmente após um parecer favorável do reformador Martin Bucer (1561), sendo reescrita durante uma epidemia na qual Bullinger julgou que iria morrer (1562). Ele anexou a confissão ao seu testamento como uma dádiva final à cidade de Zurique […] Posteriormente foi recebida na Escócia, Hungria, França, Polônia, Inglaterra e Holanda, tornando-se, ao lado do Catecismo de Heidelberg, o documento reformado mais estimado e influente”.
Não há dúvidas de que a Segunda Confissão Helvética é um dos documentos mais importantes e influentes da história da teologia reformada. Nesta confissão encontramos o seguinte:
24. Dos dias santos, dos jejuns e da escolha dos alimentos
O tempo necessário para o culto. Embora não esteja a religião limitada pelo tempo, contudo não pode ser cultivada ou praticada sem distribuição e arranjo próprio do tempo. Toda igreja, portanto, escolhe determinado horário para as orações públicas, a pregação do Evangelho e a celebração dos sacramentos, não sendo permitido a ninguém transtornar esse horário da igreja a seu bel prazer. Pois, a não ser que algum tempo livre seja reservado ao exercício da religião, sem dúvida os homens absorvidos pelos seus negócios, estariam afastados dela.
O Dia do Senhor. Por isso vemos que nas igrejas antigas não havia apenas certas horas da semana destinadas às reuniões, mas que também o Dia do Senhor, desde o tempo dos apóstolos, fora separado para as mesmas, e para o santo repouso, prática essa, acertadamente preservada por nossas igrejas para fins de culto e serviço de amor.
Superstição. Neste ponto, entretanto, não cedemos às observâncias dos judeus e às superstições. Pois, não cremos que um dia seja mais santo do que outro, nem pensamos que o repouso em si mesmo seja aceitável a Deus. Além disso, guardamos o Dia do Senhor, e não o sábado como livre observância.
As festas de Cristo e dos santos. Ademais, se na liberdade cristã, as igrejas celebram de modo religioso a lembrança do nascimento do Senhor, a circuncisão, a paixão, a ressurreição e sua ascensão ao céu, bem como o envio do Espírito Santo sobre os discípulos, damos-lhes plena aprovação. Não aprovamos, contudo, as festas instituídas em honra de homens ou dos santos. Os dias santificados têm a ver com a primeira Tábua da Lei e só a Deus pertencem. Finalmente, os dias santificados, instituídos em honra dos santos, os quais abolimos, têm muito de absurdo e inútil, e não devem ser tolerados. Entretanto, confessamos que a lembrança dos santos, em hora e lugar apropriados, pode ser recomendada de modo aproveitável ao povo em sermões, e os seus santos exemplos, apresentados como dignos de serem imitados por todos.
Aqui está claro, em um dos documentos mais importantes da história da fé reformada, escrito por um dos teólogos mais influentes, que a tradição reformada, desde o princípio, defendeu que os cristãos tem liberdade para comemorar o Natal: “Ademais, se na liberdade cristã, as igrejas celebram de modo religioso a lembrança do nascimento do Senhor… damos-lhes plena aprovação”. O renomado historiador Phillip Schaeff escreveu sobre como o próprio Bullinger viva essa liberdade com sua família:
“A casa de Bullinger era um lar cristão feliz. Ele gostava de brincar com seus numerosos filhos e netos e de escrever pequenos versos para eles no Natal, como Lutero”. (Phillip Schaeff, History of the Christian Church, Volume VIII: “The Swiss Reformation”)
SÍNODO DE DORT
O Sínodo de Dort deu origem aos famosos cinco pontos do calvinismo – popularmente conhecidos com TULIP. Além de refutar o arminianismo nos “Cânones de Dort”, o Sínodo também aprovou a “Ordem de Dort”. Neste documento, emitido pelo mesmo Sínodo que nos deu a TULIP, encontramos no artigo 67 ordens para que as igrejas da Holanda comemorassem o Natal, a Páscoa e o Pentecostes:
“Além do Domingo, as congregações também observarão o Natal, a Páscoa e o Pentecostes”.
No artigo 63, também encontramos referências às três festas:
“A Ceia do Senhor será observada uma vez a cada dois meses, na medida do possível. Também é edificante, onde quer que as circunstâncias das igrejas permitam, que o mesmo aconteça na Páscoa, no Pentecostes e no Natal”.

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